quinta-feira, 5 de junho de 2008

parte 8

Eu fui um otário em querer administrar as minhas forças. O caos que gerei trazia mais equilíbrio ao mundo. O plano será deixar a maré levar o barco. Os seres mitológicos que conseguiram escapar dos meus raios cósmicos estão certos em querer continuar por aqui, mas estão achando que o negócio será ter Egoncaos como arma de destruição em massa. É o terrorismo chegando nas realidades fantásticas. Entropia, entropia e entropia. Eu vou retroceder o tempo e tentar dar um novo início a esses fatos. Vou reinventar o mundo.

Eu estou em casa enquanto ouço a porta bater. Sei que é o Walter e não vou abrir. Se eu mudar os meus planos vou ser arrastado para uma chalaça metafísica.
- Bom, é isso o que acontece quando estamos com esse aroma cálido, espectro expelido pela raxixe dos Elkos.

Eu já estou numa chalaça metafísica.Seria uma segunda chalaça metafísica.
- O que são os Elkos, Alan.
- Importadores da orgânica espiritual para o limbo do inconsciente coletivo!

Velho Alan Moore de guerra! Estamos os dois aqui em casa queimando um. Podres de chapados! Sou amigo dessa bicha velha desde quando ele me pediu para criar aquela piada do Constantine. Não foi Alan o verdadeiro criador do Constantine, fui eu.

Conheci Alan Moore através da Vanessa, uma portuguesa degustada por mim, em Montevidéu. Fui visitar o museu Garcia Torres e lá estava aquela baita mulher interessada no mesmo quadro, mas nem ela, e muito menos eu, sabíamos o que passaríamos com essa figura que é o Alan ¨ Thing¨ Moore em nossas vidas. Agora Alan Moore é pop, mas nem sempre foi assim. Ele já foi um carniceiro desconhecido das massas. Cortava as tripas dos gados sempre na madruga em um frigorífico na velha Northampton. O barbudo botava os fones na cabeça e Iggy Pop a todo volume no rádio, Idiot o seu disco mais curtido. Ligava a serra e lá seguia ele cortando as tripas. O chão era lavado com sangue e depois secado com jornais, foi assim que Moore descobriu o Breccia, um desenho de um dos quadrinhos do Viejo tinha tocado as mãos manchadas de trabalho do Moore, onde a magia contida nas páginas se impregnara nas veias do carniceiro, como o pó das lacraias brasileiras desperta viagens alucinógenas com demônios e deuses celebrando as carnificinas humanas trocadas por sexo.
Deixamos o Alan Moore de lado e nos concentramos em Vanessa. Sim, eu ainda não sei o nome do quadro, mas lembro da cor, da textura e às pinceladas que os meus olhos saboreavam na potranca.

parte 7

Se Walter soubesse disso ele diria, Afudê Cao, tô virando um Constantine cabeludo.Bota lá no blog. Mas o fato é que o quê o meu avô me disse não é nem uma novidade para mim. Ao contrário, sou o responsável por isso, a legião é uma criação minha. Assim como toda essa trama é uma mutreta para eu pegar os mitos que conseguiram escapar do apocalipse criado por Egoncaos. São sete mitos. Santa Cecília e O Capa Preta são dois desses mitos. Os outros cincos deixaremos para depois.
A casa do exu Capa Preta era uma favela na vila Divinéia, no bairro Jardim do Salso. Conhecem a vila? Sabem do que eu estou falando? Aqui em Porto Alegre agitamos os segredos mais fechados no ocultismo, há portais para diversos mundos paralelos. Dizem que temos as senhas para abrir as portas para eles. Imaginamos a nossa realidade como um programa, é através dessas senhas que temos a possibilidade de conhecer outros programas. O Batuque é uma senha, cada orixá um código dessa senha. Egoncaos é um programa. Com ele, o Batuque deixa de ser uma senha e vira um programa. E o queco? Upgrade em todo inconsciente coletivo! O que pode não ser nada mal, mas eu tenho as minhas dúvidas. Acredito que uma realidade sem mitos e religiões, seria uma realidade mais humana, levando em consideração todo mal ocasionado no mundo com a religião e o fanatismo. Mas uma realidade mais humana, não significa ceticismo em Deus. Eu creio em Deus por que creio em mim. Eu sou Deus. E a natureza é maior que eu e contraditória é menor. Se não existir, eu não existirei. E se as minhas crenças não existirem, eu não existirei.
Há guerra mitológica nos tempos em que vivemos. É a terceira guerra, cada país querendo derrubar a imagem do outro, culturas sendo substituídas por planos econômicos, o mundo sendo substituído por globalização e indivíduo cada vez mais virando uma massa de números. É isso o que está acontecendo, mas esses seres imaginários que vivem na nossa cabecinha estão fazendo de tudo para essa nova era mudar. Meu Deus! Começo a ver onde foi que eu errei.

Parte 6

Eu batuqueiro? Talvez essa seja a minha sina final. Imaginamos o Nego Ufo Cao Guima de branco, com um charutão, despachando uns exus. Dos Guimarães há casos na família, mas tem mais lendas com os Santana, começamos com o meu avô que por sinal, tá ali, em versão fantasma, parado na porta. João dos Santos mais conhecido como João Diabo. Nascido nos arredores de Bagé, veio de uma infância miserável, passando fome e essas coisas que só maioria do Brasil sabe o que é. Filho de Zuleica, mãe de santo de Rio Negro. Às margens da Lagoa da Música ele nasceu criado na fama de ser o filho do diabo. E meu avô foi um baita diabo! Era marceneiro, trabalhou a vida inteira com madeira. Manhã e noite. Criando todo tipo de santo aos batuqueiros. De tanto santo que criou ele era chamado de o Pai dos santos, mas o diabo foi sustentado com a quantidade de mulheres que ele amou.

- Vai entrar aí, meu filho?
- Oi, vô.
- Tem sem certeza que vai te meter neste buraco?
- O que seria melhor?
- Esquecer que existe essa palhaçada e seguir com a tua vida! O João é a tua cara.
- É uma personagem.
- Por que o meu nome?
- E o meu pai?
- Falei com ele ontem. E Egoncaos?
- O Capa Preta tá querendo contato com ele.
- Não é o único. Tu confia demais neste teu amigo.
- Walter é gente boa!
- Mas os que estão com ele são longe de ser gente boa.
- Quantos são?
- Uma legião.

parte 5

Duas horas depois e uma boa dose de mau humor, estamos os três na frente da casa do Medina. O mau humor vem por eu não saber me controlar e ser impulsivo. O que vai acarretar o agarro na Cecília? Eu que deveria ter uma vida mais metódica, continuo o mesmo confeiteiro do caos. Sim, era para deixar a coisa não rolar. Por que a patroa não vai gostar nadinha quando souber que estou encharcado de suor sexual com uma vadia. Cecília vai pegar no meu pé e querer mais. No fundo é o que todas querem, somos objetos das más vontades femininas.
Mas deixamos os meus problemas de lado e nos concentramos um pouco no Exu Capa Preta. Quando Diego abre a porta, estamos todos de boca aberta com um uma criatura enrolada numa capa preta, cartola negra e cabeça de caveira.

- Qué negociá, Nego Cao?
- Sim, vim aqui fazer uma oferta.
- Eu querê favor de ti.
- O que em troca?
- Egoncaos!

Cecília olha para o Walter e pergunta.

- O que é Egoncaos?
- Uma entidade que o Cao incorpora.
- O Cao é batuqueiro?
- Não. Ele é falcatrua! Dos mais profissionais. Tem que ver o que o negão já aprontou. Sabe esse papo de salvar o universo de um apocalipse? O Cao formenta a teoria que já salvou o universo.

Egoncaos nunca mais! Vou dizer que sim, mas alguém vai ter que dançar com isso.

- Ok. Tu livra a alma do Walter, mas eu também vou te pedir uma coisa.
- Que em troca?
- Santa Cecília.
- Fechado! São os meus convidados para o meu barraco.

Medina só sorria no canto da sala. Fumava um charuto, usava vários colares no pescoço e um lenço vermelho na cabeça. Ir para o barraco do Capa Preta é literalmente ir para o inferno.

parte 4

Volto para casa. Lá encontro o Walter e Cecília, que não é santa, se agarrando. Cara, eu vou bater no Walter! O primeiro soco me faz ter de novo vinte anos, não quinze. É como chuva caindo no peito. O meu batismo. O segundo soco não é meu, é dele. Bate de raspão na minha boca, mas acerta com tudo no meu queixo. Cecília só fica gritando, grita mais quando eu parto para chutar a barriga do putão. Sim! É muito bom bater nos amigos! A mina vai pensar que é por causa dela e com razão é! Era para eu estar ali sugando aquela boca. Mas a vadia quer é ferro na boneca! O meu próximo chute já tira uns três dentes da boquinha de mula do frutinha. Depois vou lá de novo e dou mais três chutes. Walter começa a rir.
- Cara, muito bom apanhar! Eu tava precisando, tá lavando a minha alma!
- Quer mais?
- Não tá bom assim! Vamos fundar um fight club?
- Santa Cecília Fight Club!
- É. Santa Cecília Fight Club!

Cecília saiu dali apavorada com a nossa barbárie. Graças a Deus eu tive a sorte de ir até o corredor do edifício e me aprofundar naquelas carnes. É um bicho bom a mulher! Ela chorava assustada e empurrou o corpo sem a mínima sutileza contra o meu. Cao Guimarães tu tá muito filme B. Três dias sem tomar banho, andando de ropão vermelho na rua e essa latinha com barbão salvará o parceiro Walter de uma guerra cósmica com santos e exus. E esse mesmo amigo tem que levar uma surra para entender os limites. Mas o melhor de tudo isso é que essa mulher fatal está apaixonada por ti, tu vai conseguir ser o herói dentro dessa pilantragem. Tu não perdoa o corredor do prédio, faz dali o teu ninho de amor.
Santa bobagem!

Parte 3

Sai bem chumbado do Alfredo, peguei uma carona com o Chaves, o meu taxista número um e fomos direto para a casa do Medina. Medina morava em um sobrado dos mais antigos da zona norte, o lugar fedia a merda de pomba, mas sempre tinha as mais fofas gatinhas no moquifo. Medina era mais um usuário de ropão vermelho e a sua barriga deformada de ceva cativava os mais bebuns tragueiros de Porto Alegre. O ruivão era garoto propaganda de cerveja e conhecedor das mais perigosas drogas e rituais mágicos dos bacos.

- Quem diria, Medina?
- Carlito, isso aqui é um posto provisório. A verdade é que essa casa te pertence.
- Eu fora! Walter está precisando de uns tranca porta.
- Como assim?
- O cara vendeu a alma para Santa Cecília.
- Mas que nego burro! Ele vai virar pastor da Igreja Universal.
- O que tu podes fazer para ajudar o amigo?
- Cobrar a grana que ele me deve.
- Tu também?
- Tu também?
- Eu fora.
- Carlito, eu não quero me envolver com essa buceta. Santa não desgruda.
- Diz o que eu posso fazer.
- Tu sabe o que fazer.
- Puta merda!

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Parte dois

Horas depois em me encontro na rua, mais especificamente no bar Alfredo. Fazendo um favor para o Walter. O menino se encontra naquela fase de dever para todo mundo. Eu já me encontrei nessa fase, agora as minhas dívidas são mais metafísicas.
Eu estou aguardando um velho amigo meu. Trata-se de um fantasma, um borracho que morreu de cirrose e que às vezes me passa informações do submundo dos mortos. No desespero que o tio Walter se encontra, ele acabou vendendo a sua alma para uma santa. Vender a alma aos santos é pior que vender a alma para os demônios. A Santa Cecília era a nova dona do Walter. Vejam só a vagabunda que vai passar lá em casa para se lamentar o seu nome é Cecília. Mundo pequeno.
Quando Crespo chega, vem fumando aquela bagana velha. Crespo de guerra! Sempre com aquela jaquetinha de couro velho, daquelas da grife taxista. E pensar que quando o cara tava vivo ele lidava com explosivos, sempre bêbado a figura. Antigo técnico de efeitos especiais dos filmes do Teixeirinha. Agora o Crespo está em outras bandas, negociando tudo por um trago.

- E aí? Meu chapa!
- Crespo o que tu vai beber?
- Eu não posso beber mais, mas bebe aí por mim. Pede umas douradinha.
- Três martelinhos, garçom!
- Quer dizer que o nego Walter tá em encrenca. Aquele pinguço continua secando os teus conhaques?
- Sempre.
- Por que tu não espanca a bicha.
- Por que apesar dele ser um pau no cu, é um amigo.
- Seu fosse tu dava um soco no Juruá.
- Ele vendeu a alma para Santa Cecília.
- Eu tô sabendo. Mas tu sabe qual é essas paradas com os santos, vão trazer todo o sofrimento do mundo para a alma dele se purificar. Ele vai morrer de cirrose como eu.
- O que tu sugere para isso não acontecer?
- Fala com o Exu Capa Preta. Ele é doido para enrabar aquela Santa. A saída do Walter é deixar o Exu incorporar nele.
- Como eu faço para contatar a entidade?
- Fala com o Diego Medina. Ele anda recebendo o Capa Preta, tá até abrindo um terreiro.
- Crespo, sempre de fé! Vai salvar a vida do Waltinho!
- Tô querendo te salva da menininha que tá indo até a tua casa. Aquilo lá é uma demônia!
Eu sei, meu amigo.