Santa Cecília Fight Club- parte um

Walter bateu na porta do meu apê e eu soube que era encrenca. Os maus hábitos retornam quando os amigos pedem um pouco de socorro. É sempre assim quando queremos paz e anonimato. Tudo vem ao contrário, um recheio de confusão e merda. E põe merda nisso.

- Eu não agüento mais. Vou acabar me dando um tiro. Não suporto mais essa minha vida medíocre!
- E eu que ia te perguntar se tava tudo bem?
- Tô de saco cheio do meu trabalho. É aquela merda do estúdio!
- Cara, tu sabe o que eu penso disso.
- Pois, é... Tá na hora da revolução!
- E o que tu sugere dessa vez, uma cachaça na Lancheria?
- Não. Vamos mostrar pros manes!
- Mostrar o quê? O tico?
- A nossa essência! Somos demônios!
- Outra vez esse papo?
- Velho, tu mudou! Antes de tu era mais parceiro! Tu casou e virou um bundão.
- E gordo também!
- O que mesmo nos fez ser desenhistas?

Bom, taí uma pergunta que eu não sei como responder.

- Sim, Walter. Tá na hora de agirmos!


Mas o que eu espero de tudo isso? Fama e dinheiro? Desenhar dá fama e dinheiro? Bom, para o Frank Miller deu, mas não se precisa pensar tão longe. O Angeli, Laerte e o Adão tão forrados na grana. O Rodrigo Rosa também.
Fama e grana. Nós optamos por um caminho mais alternativo, queimamos todos os nossos pilas em trago e bocetas!
Sim trago e bocetas! E foi o pior! Bocetas das patroas dos amigos! E não dos amigos distantes, mas dos mais chegados!
Ok! A verdade foi dita, mas não pensem que vamos queimar por isso. Já queimamos e sobrevivemos. Se tem algo que me faz me identificar com o Walter, digo que esse algo é a canalhice. Sou um puta canalha! Enquanto fico cultivando essa barriga debaixo do ropão vermelho, o meu Hulk investe um flash-back de lembranças de uma boa perereca de uma ex-namorada de um amigo meu!

Sim, Walter. Tu tá mais que certo, somos demônios. Demônios de Crom! Uma vez eu fui considerado o próprio. Uma vez não, diversas! Mas aqui estou eu te recebendo na minha santa casa enquanto tu lamenta, lamenta e lamenta. E mais uma vez, eu sei que não são os negócios. Essa lamúria é mais profunda. Existencial e metafísica. Do tipo: Que lugar eu ocupo no universo? E o engraçado que sou o mais viajandão dos teus amigos. Acredito em ufos, vidas passadas, universos paralelos e extraterrestres. Sou a piada ambulante, o Nego Ufo! A propósito o meu nome é Cao Guimarães. Sempre que você tiver em perigo use a cápsula beta eu me transformo na solução dos teus problemas, criando mais confusão para essa inércia de não encarar de cara a feiúra que é a tua fuça!
Bom, não faz sentido o que estou dizendo? Cara, deixa a coisa rolar que vai fazer to do o sentido do mundo.
Mas como eu estava dizendo, aqui estou com o Walter no meu apê ouvido as intermináveis choradeiras quando o telefone toca. O telefone sempre toca. Tudo começa com um telefone tocando. Não há dúvida que a voz do outro lado é de uma mulher. Neste caso, de uma ex-mulher de um amigo meu. Aquela que o meu Hulk despertava o instinto de aranha.

Bom, as mulheres sempre vêm acompanhadas o choro. Depois um pedido de desculpa e a linha é cortada antes mesmo de tio aqui poder falar alô. Do meu lado o Walter chorava também. Mundo louco! As minhas alternativas são bem claras:
1. Manda o mané do Walter chorar no raio que parta.
2. Não liga para essa vagabunda para saber o que houve.

Como eu já disse, são os velhos instintos voltando. Mandei o Walter para o banheiro lavar a cara e disquei para a tentação.

- Tá tudo bem?
- Eu estou melhor. Mas estou me separando outra vez.
- Tá uma onda no ar.

O que será que eu quis dizer com aquilo?

- Eu estou me sentindo confusa.

Essas são as mais perigosas.

- Desculpa eu ter desligado!

Como eu disse essas são as mais perigosas.

- E tu? Ainda continua casado?
- Super casado.
- Eu posso ir até aí?
- Não.
- Eu preciso desabafar com alguém!
- Não.
- Eu não paro de pensar o quanto tu é legal.
- Olho só, eu tô com um amigo aqui.
- Eu preciso de ti. Agora!

Vagabunda! Será que os teus namorados sabem o quanto tu foi e é vagabunda?
Desligou e o Walter saiu do banheiro.